A gestão de Resíduos de Serviços de Saúde (RSS), popularmente conhecidos como “resíduos hospitalares,” é um tema de extrema complexidade e de crucial relevância para a saúde pública e a proteção ambiental. Para profissionais e organizações que buscam a excelência e a conformidade legal, entender o universo dos RSS é o primeiro passo para um gerenciamento eficaz.
Este artigo, baseado nas diretrizes da ANVISA (RDC 222/2018) e CONAMA (Resolução 358/2005), serve como um guia para compreender a classificação, as obrigações legais, o manejo adequado e o cenário nacional desses resíduos.
- O que são e onde são gerados os Resíduos de Saúde?
O conceito de Serviço de Saúde é amplo, abrangendo muito mais do que apenas hospitais. De acordo com a RDC 222/2018 da ANVISA, eles incluem todas as organizações que realizam atividades relacionadas à atenção à saúde humana ou animal.
Locais de geração:
Os RSS são gerados em uma vasta gama de locais, cuja quantidade pode variar de menos de 1 kg a toneladas por dia, dependendo da complexidade do serviço.
- Atenção e Reabilitação: Hospitais, Unidades Básicas de Saúde (UBS), laboratórios de análises clínicas, consultórios (odontológicos, médicos).
- Pesquisa e Ensino: Instituições com foco em saúde.
- Serviços Específicos: Clínicas veterinárias, estúdios de tatuagem, clínicas de acupuntura e estética.
- Ambiente Doméstico: Resíduos de tratamento de saúde gerados em domicílio.
- Classificação dos RSS: Grupos de Risco (ANVISA – RDC 222/2018)
A classificação dos RSS é feita por grupos, baseada no potencial de risco que apresentam à saúde humana e ao meio ambiente.
| Grupo | Risco | Descrição |
| A | Biológico | Resíduos com possível presença de agentes biológicos (microrganismos) que, por suas características, podem causar infecções. Exemplos: culturas, bolsas de sangue vazias, materiais em contato com pacientes isolados. |
| B | Químico | Resíduos que contenham produtos químicos perigosos (inflamáveis, corrosivos, tóxicos). Exemplos: medicamentos, reagentes de laboratório, reveladores e fixadores. |
| C | Radioativo | Rejeitos que contenham radionuclídeos em níveis acima do limite especificado pela CNEN. Exemplos: materiais de serviços de medicina nuclear e radioterapia. |
| D | Comum | Resíduos que não apresentam risco biológico, químico ou radioativo, sendo similares aos domésticos incluindo os resíduos com potencial de reciclagem. Exemplos: sobras de alimentos, lixo de áreas administrativas, papelão, plástico e outros. |
| E | Perfurocortante | Riscos biológicos, químicos e físicos. Materiais que podem causar acidentes por punção ou corte. Podem ou não estar contaminados. Exemplos: agulhas, escalpes, ampolas de vidro, pipetas. |
- Ordenamento Jurídico: Hierarquia e Responsabilidades
A complexidade dos RSS exige uma atenção rigorosa ao ordenamento jurídico, que se estrutura em diferentes níveis, sendo as normativas federais a base para todo o território nacional.
⚖️ Principais Normativas Federais:
- RDC 222/2018 (ANVISA): Define as Boas Práticas de Gerenciamento, focando na gestão interna e segregação.
- Resolução 358/2005 (CONAMA): Regulamenta o gerenciamento externo (coleta, transporte, destinação e disposição).
- Lei 12.305/2010 (PNRS): A Política Nacional de Resíduos Sólidos manteve a classificação dos RSS e estabeleceu a obrigatoriedade do Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS).
- NR 32/2005 (MTE): Determina as medidas de segurança e saúde obrigatórias para os trabalhadores.
Atenção: É crucial observar que estados e municípios podem criar regulamentações mais restritivas. Por exemplo, a Lei 12.300/2006 de São Paulo exige tratamento prévio para todos os RSS, mesmo para os resíduos do Subgrupo A4 que a ANVISA permitiria destinar a aterro sem tratamento. O gerador deve cumprir a norma mais rigorosa.
- O Plano de Gerenciamento de RSS (PGRSS)
O PGRSS é um documento obrigatório para todo serviço de saúde e deve detalhar todas as ações de manejo adequado dos resíduos, desde a geração até a disposição final, visando proteger a saúde e o meio ambiente.
Componentes Essenciais do PGRSS:
- Envolvimento Coletivo: O plano deve definir responsabilidades e obrigações em todos os setores da organização.
- Ações de Manejo: Descrição dos procedimentos de segregação, acondicionamento, identificação, transporte interno e armazenamento temporário/externo.
- Capacitação: Inclusão de um programa de educação continuada para todos os colaboradores (saúde, limpeza, coletores).
- Contratos e Licenças: Apresentação de documentos que comprovem a destinação final correta, incluindo licenças das empresas de tratamento.
- Tecnologias de Tratamento e Destinação Final
O tratamento é uma etapa essencial para a redução do risco e do volume dos RSS. A escolha do método ideal envolve custo, eficiência e impacto ambiental.
| Tecnologia | Princípio | Aplicação Principal | Observação |
| Autoclavagem | Esterilização com calor úmido e pressão. | Resíduos do Grupo A. | Baixo custo operacional. Exige trituração prévia e resulta em disposição em aterro sanitário. |
| Incineração | Queima em excesso de oxigênio a altas temperaturas. | Resíduos dos Grupos A, B e A3. | Alta redução de volume. Gera emissão de gases e cinzas. |
| Pirólise | Destruição térmica na ausência de oxigênio. | Resíduos dos Grupos A e B. | Gera subprodutos combustíveis (gases e óleos). |
| Desativação Eletrotérmica | Dupla trituração e exposição a campo elétrico de alta potência. | Resíduos do Grupo A. | Sem queima ou efluentes, mas exige disposição em aterro sanitário |
- 💡 O Cenário Brasileiro: Transparência e Desafios
A gestão de RSS no Brasil enfrenta desafios significativos, principalmente pela escassez de dados consolidados e a persistência de práticas inadequadas.
Relatórios indicam que uma parte preocupante dos RSS é destinada a “valas específicas,” “aterros controlados” e lixões – práticas ilegais que contrariam a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e expõem a comunidade e o meio ambiente a riscos gravíssimos.
O que é preciso para avançar:
- Fiscalização Rigorosa: Aumento da cobrança e punição para o descarte inadequado.
- Transparência: Criação de bases de dados atualizadas e acessíveis (SINIR).
- Educação Continuada: Capacitação constante dos profissionais em todos os níveis de manejo e segregação.
- Inovação: Maior incentivo à adoção de tecnologias de tratamento e de Economia Circular (reciclagem de resíduos não perigosos).
A gestão de RSS é um ato de responsabilidade que exige mais do que conformidade: exige comprometimento com a vida e o futuro sustentável.